O Perigo da Abstração nas Decisões de Liderança: Lições de Milgram e do Titanic
Tomada de Decisões e Ética


Em seu livro “Líderes Se Servem por Último”, Simon Sinek levanta um alerta fundamental para quem ocupa cargos de comando: a distância emocional e prática entre quem decide e quem sofre as consequências dessas decisões pode ser catastrófica. Essa desconexão — chamada de “abstração” — torna líderes menos humanos, menos empáticos e mais propensos a agir de forma automática, seguindo normas, números ou políticas, sem considerar o impacto real sobre pessoas de carne e osso.
O Estudo de Milgram: Obediência sem Empatia
Em 1961, nos Estados Unidos, o psicólogo Stanley Milgram conduziu uma das experiências mais impactantes e perturbadoras da psicologia social, com o objetivo de responder à seguinte pergunta: até que ponto uma pessoa comum está disposta a obedecer a ordens de uma autoridade, mesmo que isso contrarie sua consciência moral?
A motivação de Milgram veio após o julgamento do nazista Adolf Eichmann, que alegava estar apenas “cumprindo ordens”. Milgram queria entender como pessoas aparentemente normais poderiam cometer atrocidades apenas por obedecer comandos institucionais.
No experimento, havia três figuras principais:
o experimentador (figura de autoridade);
o “professor” (o voluntário, que acreditava estar realizando um teste de memória);
e o “aluno” (um cúmplice de Milgram, que apenas simulava ser outro voluntário).
O professor era instruído a aplicar choques elétricos no aluno toda vez que este errasse uma pergunta. A cada erro, o choque aumentava de intensidade, indo de 15 volts até 450 volts. A faixa final, de 435 a 450 volts estava pintada de vermelho e marcada com “XXX”, sugerindo letalidade. Embora nenhum choque real fosse aplicado, os gritos e protestos do "aluno" eram cuidadosamente ensaiados para parecerem reais, aumentando em desespero até o silêncio final, sugerindo desmaio ou morte.
A Variável da Distância
Um fator central no experimento era a distância entre o “professor” e o “aluno”. Em diferentes variações, Milgram alterou o grau de proximidade física para testar o quanto isso influenciava a obediência:
Quando o “aluno” estava em outra sala, apenas audível por sons abafados, 65% dos participantes foram até o fim, aplicando o choque potencialmente fatal.
Quando o “aluno” estava na mesma sala, visível e audível, a taxa de obediência caiu para 40%.
Na versão mais extrema, em que o voluntário tinha que segurar a mão do “aluno” contra uma placa metálica para aplicar o choque, apenas 30% continuaram até o fim.
Esses dados revelam uma verdade desconcertante: quanto maior a distância entre quem toma a decisão e quem sofre as consequências, mais fácil se torna decidir sem empatia.
O Caso Titanic: Quando a Lei Não Basta
Sinek também menciona o caso do Titanic como exemplo emblemático da abstração em decisões de liderança. O navio mais luxuoso de sua época afundou em 1912 levando mais de 1.500 vidas. Uma das principais causas da tragédia foi a escassez de botes salva-vidas — havia apenas 20 a bordo, número legalmente permitido pela norma da época, que se baseava no tamanho do navio, e não na quantidade real de passageiros.
Quem autorizou isso possivelmente o fez com base em regulamentos e planilhas — e não com base na imagem real de centenas de pessoas em risco. Essa é a essência do problema da abstração: decisões feitas por quem está distante das consequências, amparadas por regras, mas descoladas da realidade humana.
O Problema dos Números sem Rostos
Sinek alerta ainda para outro ponto sensível: usar números para representar pessoas pode levar à desumanização. É mais fácil tomar uma decisão dura ao dizer “precisamos cortar 120 colaboradores” do que enxergar 120 histórias, famílias e realidades pessoais. O mesmo acontece em grandes tragédias: ouvir que “50 pessoas foram mortas por um ditador” causa menos comoção do que ouvir a história de uma criança determinada, assassinada injustamente.
Números não choram. Pessoas sim. E líderes verdadeiros precisam lembrar disso constantemente.
A Realidade Atual: Decisões de Escritório, Consequências no Campo
Esse fenômeno não é restrito ao passado. No mundo corporativo de hoje, líderes tomam decisões em escritórios confortáveis, analisando dashboards e relatórios, e esquecem que por trás de cada dado frio existe uma vida concreta. Expressões como “recursos humanos”, “turnover”, “eficiência operacional” e “meta de desligamento” podem transformar pessoas em estatísticas, o que anestesia o senso de responsabilidade e compaixão.
Conclusão: Liderar É Sentir
Todo líder deve se perguntar: “Minha decisão está sendo tomada com empatia, proximidade e senso de responsabilidade humana — ou apenas seguindo o fluxo impessoal dos processos?”
Este artigo é um alerta. No próximo, discutiremos o antídoto: como líderes podem vencer a abstração e cultivar decisões humanizadas, eficazes e justa
